SAIU NA IMPRENSA

Visibilidade para garantir direitos, saúde, respeito, cidadania e equidade à população trans

Diretora do DCCI defende visibilidade trans em artigo publicado em agência aids de notícias

26.01.2017 - 17:42
04.11.2022 - 10:37

[node:title]Por Adele Benzaken*

26/01/2017 - “A igreja aceita-te como tu és”, disse há dois anos o Papa Francisco – surpreendendo o mundo –, ao receber no Vaticano, a seu convite, a visita do transexual espanhol Diego Lejarraga e de sua namorada, Macarena. Com esse gesto, Jorge Bergoglio sinalizou a inclusão, pela Igreja Católica – radicalmente contrária às mudanças de sexo –, dessa população ainda muito excluída. O gesto é de forte simbolismo e efeito político para a sociedade contemporânea, porque é incontestável que cada pessoa tem o direito de ter a escolha da sua identidade de gênero respeitada.  
Por essa razão, somos convidados a participar da crescente discussão global em torno da identidade de gênero e da liberdade individual de escolhê-la. A hora é oportuna: globalmente, a população trans vem sofrendo pressões de toda ordem – entre agruras que vão desde a violência e discriminação à alta prevalência de HIV/aids.  
Segundo uma pesquisa recente da organização não governamental Transgender Europe (TGEU) – rede europeia de organizações que apoiam os direitos da população transgênero –, o Brasil é o país que mais mata pessoas trans no mundo: entre janeiro de 2008 e março de 2014, por exemplo, foram registradas aqui 604 mortes em razão da transfobia (EBC, 2015).  
Também de acordo com o II Relatório sobre Violência Homofóbica no Brasil, produzido pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República em 2012, 4.851 pessoas foram vítimas de violações relacionadas à população LGBT, tendo sido registradas 3.084 denúncias (BRASIL, 2012). 

Além disso, estudo realizado por pesquisadores da Universidade Estadual do Piauí (Uespi) e da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) – conduzido entre março de 2010 e julho de 2011, com 207 professores de 144 escolas de Medicina – apontou que questões como a orientação sexual e a identidade de gênero são pouco discutidas e estudadas durante a formação profissional (BRASIL, 2016).

E mais: na própria comunidade LGBT, o grupo formado por travestis, mulheres transexuais e homens trans é ainda o mais estigmatizado. Esse contexto de intensa transfobia acirra problemas já inerentes ao Sistema Único de Saúde (SUS) – resultando também no incremento da incidência de HIV/aids nessa população.

Estudo de abrangência nacional de HIV, sífilis e hepatite B e C entre travestis e transexuais está sendo realizado nos municípios de Belém/PA, Belo Horizonte/MG, Brasília/DF, Campo Grande/MS, Curitiba/PR, Fortaleza/CE, Manaus/AM, Porto Alegre/RS, Recife/PE, Rio de Janeiro/RJ, Salvador/BA e São Paulo/SP, com o apoio técnico e financeiro do Ministério da Saúde.

Espera-se, com isso, que no médio prazo o Brasil tenha dados atualizados sobre a população trans – contribuindo, assim, para a adequação de políticas públicas direcionadas a essas pessoas. 

As ações de prevenção focalizadas em grupos que concentram maior carga de infecção pelo HIV vêm sendo continuamente ampliadas; um exemplo é o projeto Viva Melhor Sabendo, que consiste na testagem por pares utilizando teste rápido de fluido oral. No âmbito desse projeto, já foram testadas mais de 85 mil pessoas. Desse total, 5% pertenciam à população trans, e foi justamente nesse grupo que se encontrou a maior proporção de resultados reagentes para o HIV.

Os esforços do Ministério da Saúde para atender à população trans não são recentes. Instituído em 2004 pelo Movimento LGBT em 2004 no Congresso Nacional, por meio do Ministério da Saúde, o Dia da Visibilidade Trans é celebrado todo 29 de janeiro. A data simbólica tem como objetivo incrementar a visibilidade da população trans, promovendo o respeito a seus direitos. A luta que cerca o Dia da Visibilidade Trans é no sentido de envolver sempre mais pessoas – cotidianamente – na promoção dos direitos dessa população e de uma cultura de paz. Outra pauta inerente ao 29 de janeiro é a luta contra a epidemia de HIV/aids. 

Em 2011, o Ministério da Saúde instituiu a Política Nacional de Saúde Integral LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais), que considera a orientação sexual e a identidade de gênero como determinantes sociais da saúde e tem como objetivo eliminar as iniquidades e desigualdades em saúde.
As ações visam expandir o acesso dessa população à saúde pública e ampliar o processo transexualizador no SUS (cirurgias de mudança de sexo, retirada de mama, retirada de útero, plástica mamária reconstrutiva e extensão das pregas vocais para mudança da voz, além de terapia hormonal), bem como promover a inclusão dos campos “nome social”, “orientação sexual” e “identidade de gênero” na Ficha de Notificação de Violência no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), a exemplo do que já acontece nas fichas do Siclom e Siscel. 

Em 2016, foi possível observar um aumento de 137% no número de notificações em relação ao ano anterior. No ano passado, as pessoas transexuais representavam 2,3% de todas as pessoas vivendo com HIV/aids em uso da terapia antirretroviral. No mesmo ano, o registro de pessoas trans iniciando o tratamento foi 860% maior do que em 2015.

Esse crescente número de dados sobre pessoas trans em sistemas de vigilância mostra uma melhoria gradual na qualidade da informação – o que poderia estar associado à aplicação dos instrumentos legais que permitem a inclusão do nome social das pessoas trans nos sistemas. Os resultados podem reforçar a ideia de que as mudanças estruturais permitem  iniciativa de autoinscrição nos formulários de cuidados. Quanto mais transgêneros forem registrados, mais dados representarão corretamente o cenário de epidemias.

A realização do processo transexualizador depende, inicialmente, de avaliação e acompanhamento ambulatorial com equipe multiprofissional, o que inclui consulta com psicólogos, por exemplo. Para que o(a) usuário(a) tenha acesso aos procedimentos ambulatoriais, é preciso ter, no mínimo, 18 anos. Já as cirurgias são realizadas somente a partir de 21 anos. Além disso, após o processo cirúrgico, o(a) paciente é acompanhado durante um ano pelas equipes. 

Foi ainda incluído um campo no formulário para preenchimento de violência motivada por homofobia/lesfobofia/transfobia, a fim de dar visibilidade à violência sofrida pela população LGBT. Também se realizou curso de educação à distância sobre a política nacional. 

Outra ação importante desenvolvida pelo Ministério da Saúde para ampliar o acesso dessa população ao SUS é o uso do nome social. Em 2012, o Sistema de Cadastramento de Usuários do SUS passou a permitir a impressão do Cartão SUS – identidade do cidadão no sistema público de saúde – somente com o nome social do(a) usuário(a). Esse direito é garantido por meio da Portaria nº 1.820/2009, a Carta de Direitos dos Usuários do SUS. Entretanto, ainda permanece o desafio de assegurar que todos os profissionais de saúde entendam que a prática precisa ser incorporada ao seu cotidiano.   

Este é, todavia, apenas o início do crescente compromisso brasileiro para com a população trans. Nossa preocupação deve ser – de forma cada vez mais intensa – a saúde integral, o atendimento humanizado e o respeito oferecido a travestis, mulheres transexuais e homens trans no Brasil. Que o dia 29 de janeiro nos relembre nosso compromisso com essa população.

 

* Adele Benzaken é diretora do Departamento das Infecções Sexualmente Transmissíveis, do HIV/Aids e das Hepatites Virais da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde (SVS/MS).

Referências:

EMPRESA BRASILEIRA DE COMUNICAÇÃO (EBC). Agência Brasil. Com 600 mortes em seis anos, Brasil é o que mais mata travestis e transexuais, 2015. Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2015-11/com-600-mortes-em-seis-anos-brasil-e-o-que-mais-mata-travestis-e>. Acesso em: 18 jan. 2016.

BRASIL. Presidência da República. Secretaria de Direitos humanos. II Relatório sobre Violência Homofóbica no Brasil, 2012. Disponível em: <http://www.sdh.gov.br/assuntos/lgbt/pdf/relatorio-violencia-homofobica-ano-2012>. Acesso em: 18 jan. 2017.

BRASIL. Ministério da Saúde. Portal da Saúde. Ministério lança campanha voltada à saúde da população trans. 2016. Disponível em: <http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/cidadao/principal/agencia-saude/21893-ministerio-lanca-campanha-voltada-a-saude-da-populacao-trans>. Acesso em: 18 jan. 2017.

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