Homofobia também é questão de saúde pública
Publicado:No Brasil, a homofobia – isto é, a rejeição ou aversão a homossexual e à homossexualidade – não é crime institucionalizado, infelizmente. A legislação brasileira não considera a homossexualidade crime desde 1830. Ainda assim, diversos estudos apontam nesse fato um grave paradoxo: somos os incontestes campeões mundiais em mortes de pessoas lésbicas, gays, bissexuais, pessoas trans e intersexuais em razão da homolesbobitransfobia.
O triste troféu nos é mais uma vez motivo de embaraço neste dia 17 de maio de 2017. A data marca o Dia Internacional Contra a Homofobia, estabelecido em 1990, quando a Organização Mundial de Saúde retirou a homossexualidade de seu rol de distúrbios mentais – uma grande vitória para o movimento LGB. É um dia para relembrar também a luta contra qualquer tipo de discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero.
Quase 30 anos depois, a defesa dessa população nunca foi tão urgente. A despeito de todos os esforços feitos para conter a homofobia, esta parece se disseminar – e não está tão distante de nós quanto gostaríamos de supor. Mas onde persiste, afinal – em nós e na sociedade – essa rejeição que preferiríamos negar? A resposta é simples: abra seus olhos. Olhe em volta. Olhe para dentro. Ela pode estar num olhar sorrateiro. Numa frase. Na piada do almoço de domingo ou da mesa de bar. Na impaciência. Na incompreensão; na restrição; na negação; na repressão. Em sua pior versão, pode explodir em ódio repentino e inexorável – e assim na violência extrema e insidiosa da qual diariamente desviamos nosso olhar, tornando as vítimas tragicamente invisíveis.
É por isso que a homofobia ainda mata: porque resiste em nossa sociedade. Porque segrega e exclui. Porque desrespeita e violenta.
De acordo com o Relatório de Violência Homofóbica no Brasil: ano 2013 da Secretaria Especial de Direitos Humanos do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, naquele ano foram registradas pelo Disque Direitos Humanos (Disque 100) 1.695 denúncias de 3.398 violações relacionadas à população LGBT, envolvendo 1.906 vítimas e 2.461 suspeitos. Outros números não oficiais atestam que a violência é crescente.
Segundo uma pesquisa recente da organização não governamental Transgender Europe (TGEU) – rede europeia de organizações que apoiam os direitos da população transgênero –, o Brasil é o país que mais mata pessoas trans no mundo: entre janeiro de 2008 e março de 2014, foram registradas aqui 604 mortes em razão da transfobia.
A homofobia mata também ao impedir o acesso ao Sistema Único de Saúde (SUS). Para além das enfermidades que acometem a população em geral, sabe-se que o grupo LGBTI sofre também de grande vulnerabilidade ao HIV e a outras infecções sexualmente transmissíveis.
Nesse aspecto, o governo brasileiro – por meio de seu Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis (DCCI) do Ministério da Saúde – vem insistindo em esforços legislativos, em políticas sempre baseadas nos direitos humanos e em formas de ampliar o acesso desta população ao SUS. Esses esforços vêm de longa data.
Em 2001, por exemplo, o DCCI lançou a primeira campanha contra a transfobia no país: “Travesti e Respeito”. Em 2004, ajudou a estabelecer o Dia da Visibilidade Trans em 29 de janeiro. No mesmo ano, o governo federal criou o programa “Brasil Sem Homofobia” e fundou o Comitê Técnico para a Formulação de Proposta da Política Nacional de Saúde da População GLTB (Gays, Lésbicas, Travestis e Bissexuais).
Em 2008, por meio da Portaria nº 1.707, o Ministério instituiu o Processo Transexualizador no SUS. Em 2009, a Carta de Direitos dos Usuários do SUS passou a assegurar o uso do Nome Social, independentemente do registro civil.
Em 2011, o Ministério publicou a Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (LGBT), por meio da Portaria nº 2.836, que considera a orientação sexual e a identidade de gênero como determinantes sociais da saúde e visa à eliminação das iniquidades e desigualdades neste campo.
Em 2013, a Portaria nº 2.803 definiu e ampliou o Processo Transexualizador no SUS, incluindo o atendimento a travestis e homens trans.
Em 2016, o Decreto nº 8.727, da Presidência da República, determinou o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis e transexuais no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional.
No mesmo ano, o DCCI produziu o webdocumentário “PopTrans” – que retrata um pouco da realidade vivida pela população trans –, como fruto do trabalho do GT PopTrans no âmbito do Departamento. O filme é uma produção do DCCI em concepção conjunta com o Departamento de Apoio à Gestão Participativa (SGEP/MS) e com a Rede Nacional de Pessoas Trans (RedeTrans), a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) e o Instituto Brasileiro de Transmasculinidade (Ibrat).
Além disso, a atual Ficha de Notificação de Violência no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) inclui os campos Nome Social, Orientação Sexual e Identidade de Gênero – acrescidos de um campo a ser preenchido em caso de violência motivada por homolesbobitransfobia, para dar visibilidade à violência sofrida pela população LGBTI.
Muito mais do que apenas ampliar o acesso da população LGBTI ao SUS, porém, todos esses esforços pretendem acolher essa população, promovendo o respeito às diferenças e, assim, os princípios de universalidade e integralidade do Sistema para cada brasileiro ou brasileira – não importando sua identidade de gênero ou orientação sexual.
A homofobia mata. Lutemos juntos para acabar com esse grande mal.
Adele Benzaken, diretora do Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis do Ministério da Saúde