Estudo de abrangência nacional de comportamentos, atitudes, práticas e prevalências de HIV, sífilis e hepatite B e C entre travestis nos municípios de Belém/PA, Belo Horizonte/MG, Brasília/DF, Campo Grande/MS, Curitiba/PR, Fortaleza/CE, Manaus/AM, Porto Alegre/RS, Recife/PE, Rio de Janeiro/RJ, Salvador/BA e São Paulo/SP.

Edital/Chamamento: 
Processos Licitatórios 171/2013 - UNESCO
Número do Projeto: 
NA

Pesquisador(es)

Pesquisador(es) Responsável(eis): 
Monica Siqueira Malta

Instituição

Instituição: 
Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Endereço: 
Av. Brasil, 4365, Biblioteca de Manguinhos, sala 229, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
Parcerias institucionais: 
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO); Departamento de DST, AIDS e Hepatites Virais.
Período de Vigência: 
2015-2017
Situação: 
Concluída

Introdução e Justificativa

Segundo o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS (UNAIDS), a população de travestis tem até 49 vezes mais chances de adquirir o HIV, quando comparados à população adulta em geral. Ainda segundo a UNAIDS, estima-se que 19% da população de travestis do mundo viva com HIV/AIDS. Entre a população de travestis, o principal fator associado à infecção pelo HIV tem sido o envolvimento com sexo comercial desprotegido, seguido de uso de drogas. No entanto, os dados acerca desta população são escassos e geralmente baseados no autorrelato da infecção pelo HIV (ou da emergência da síndrome clínica, a Aids), e não em resultados laboratoriais objetivos, razão pela qual este grupo foi identificado pela UNAIDS como prioritária para realização de estudos e intervenções voltadas para minimizar o impacto da epidemia de HIV/Aids entre travestis.

Objetivos

Sistematizar e analisar comportamentos, atitudes, práticas e prevalências de HIV, Sífilis, HCV e HBV entre travestis e mulheres transexuais de 12 municípios brasileiros, a saber: Belém (PA), Belo Horizonte (MG), Brasília (DF), Campo Grande (MS), Curitiba (PR), Fortaleza (CE), Manaus (AM), Porto Alegre (RS), Recife (PE), Rio de Janeiro (RJ) e Salvador (BA).

Materiais e Método

Foi utilizada a metodologia de amostragem RDS (Respondet Driven Sampling), a qual se inicia com algumas participantes identificadas como “sementes”. O critério de elegibilidade foi: passar a maior parte do tempo do dia no município onde foi recrutada; identificar-se com alguma identificação de gênero feminino; ter sido registrada ao nascimento com sexo masculino; e ter 18 anos ou mais. As convidadas elegíveis e que concordavam em participar da pesquisa (com assinatura do TCLE) respondiam a uma entrevista com a aplicação de questionário que abordava informações sociodemográficas; conhecimento acerca das formas de transmissão de HIV e algumas infecções sexualmente transmissíveis; comportamento sexual; uso de álcool e outras drogas; necessidades de saúde; experiências de discriminação e violência; visibilidade trans, integração e participação social. Testagens para IST: A todas as participantes foi oferecida a realização de testes rápidos para HIV, sífilis e hepatites B e C. Os testes foram realizados através de punção venosa, inclusive para os testes confirmatórios. Todas as participantes com resultados reagentes foram encaminhadas para o serviço de saúde pública mais próximo de sua residência, para iniciar o acompanhamento e tratamento necessários. As prevalências, bem como seus respectivos intervalos de credibilidade de 95%, foram calculadas para cada uma das 12 cidades separadamente, utilizando um estimador bayesiano, denominado RDS-B. Para cálculo da prevalência de sífilis “ativa”, foram considerados os casos que apresentaram titulação maior que 1:8 dentre aqueles que fizeram teste.

Resultados - Parciais ou Finais

No total, foram entrevistadas 2.846 travestis e mulheres trans nas 12 cidades onde a pesquisa foi realizada, entre 2016/2017. Em São Paulo, foram realizadas 386 entrevistas, com o seguinte perfil: idade média de 31,1 (30,1-32,0) anos, identificação de gênero travesti (47,4%; [40,2%-54,6%]), pardas (46,0%; [38,7%-53,3%]), ensino fundamental (58,0%; [51,5%-64,5%]), profissional do sexo (38,6%; [33,9%- 43,6%]), renda média de R$ 1.047,8 [R$ 881,2 – R$ 1.214,4), com prevalência de ISTs de 2,63% (0,0-12,9%) para HBV; 40,2% (32,3%-48,1%) para HIV; 2,8% (0,0-13,1) para HCV e 26,9% (18,1%-35,7%) para sífilis ativa. Para a cidade de Manaus, foram 230 entrevistas, e o perfil foi composto por idade média de 25,6 (24,5-26,7) anos; identidade de gênero travesti (58,3%; [50,0%-66,7%]); pardas (79,2%; [73,1%-85,4%]); com ensino médio (57,0%; [48,5%-65,5%]); profissional do sexo (49,1%; [42,7%-55,6%]); renda média de R$967,23 (R$822,3-R$1.112,1); prevalência de HBV de 1,0% (0,0%-14,9%), de HIV de 26,1% (15,0%-37.2%) de HCV de 0,6% (0,0-15,3%) e 28,6% (17,6%-39,5%) para sífilis ativa. Em Salvador, foram 166 entrevistas, sendo a idade média de 29,21 (27,62-30,79) anos; identidade de gênero como mulher trans 35,1% (22,9%-47,4%); pretas (50,4%; [39,2%-61,6%]); ensino médio (52,9%; [42,5%-63,4%]); profissional do sexo (45,9%; [38,4%-53,5%]); renda média de R$1.317,8 (R$1.089,6-R$1.545,9); prevalência de HBV de 4,4% (0,0-20,1%), HIV de 24,4% (10,6%-38,2%) e HCV de 2,7% (0,0-18,8%) e 34,3% (21,5%-47,0%) para sífilis ativa. Na cidade de Belo Horizonte, foram 181 entrevistas, sendo a idade média de 29,4 (28,0-30,8) anos; identificação de gênero como mulher trans (42,0%; [30,9%-53,1%]); pardas (48,7%; [38,2%-59,2%]; ensino médio (64,3%; [55,5%-73,2%]); trabalho por conta própria/autônoma (43,0%; [36,0%-50,3%]); renda média de R$1.420,1 (R$1.080,2-R$1.759,9); sendo a prevalência de HBV de 1,5% (0,0%- 17,8%); de HIV 25,4% (12,1%-38,8%) e para HCV 0,4% (0,0-23,2%) e 25,2% (11,6%- 38,8%) para sífilis ativa. Em relação ao Distrito Federal, realizou-se 201 entrevistas, com o seguinte perfil: idade média de 28,2 (26,9-29,5) anos; identificação de gênero como mulher trans (51,6%; [42,0%-61,2%]; pardas (51,1%; [41,2%-61,0%]); ensino médio (47,8%; [37,9%-57,8%]), profissional do sexo (44,4%; [(37,6%-51,4%]); renda média de R$2.166,2 (R$1.874,2-R$2.458,3), com prevalência de HBV de 0,6% (0,0-17,7%), HIV de 20,0% (7,1%-32,9%), não tendo prevalência de HCV e 32,2% (20,4%-44,0%) para sífilis ativa. Na cidade de Fortaleza, foram 348 entrevistas, sendo a idade média de 27,6 (26,7-28,5) anos; identificação de gênero como travesti (45,2%; [37,4%-52,9%]); pardas (64,9%; [58,6%-71,2%]); ensino fundamental (52,2%; [45,0%-59,5%)]; profissional do sexo (33,1%; [28,3%-38,2%]), renda média de R$937,5 (R$789,4-R$1.085,6), com 1,6% (0,0%-12,5%) de prevalência de HBV, 20,5% (11,0%-30,1%) de HIV, sem casos de HCV e 30,8% (21,9%-39,6%) para sífilis ativa. Em Campo Grande, foram 108 entrevistas, com o seguinte perfil: idade média de 28,2 (26,6-29,9) anos; identidade de gênero como travesti (41,8%; [27,4%-56,1%]); parda (47,3%; [33,1%-61,4%]), ensino médio (58,6%; [46,5%-70,7%]); trabalho por conta própria/autônoma (47,9%; [38,6%-57,3%]); renda média de R$1.476,5 (R$1.265,6-R$1.687,58), sendo 1,6% (0,0-23,3%) de prevalência de HBV, 21,6% (4,0%-39,2%) de HIV; 1,3% (0,0%-23,7%) para HCV e 34,8% (18,9%-50,7%) para sífilis ativa. Em Belém, foram 259 entrevistas, sendo a idade média de 26,6 (25,5-27,7) anos, identidade de gênero travesti (41,4%; [32,0%-50,8%], parda (62,5%; [54,9%-70,1%]), ensino médio (59,9%; [52,2%-67,6%]), trabalhadora por conta própria/autônoma (33,4%; [27,9%-39,3%]); renda média de R$767,5 (R$659,4-R$875,7), tendo prevalência de HBV de 1,1% (0,0-16,8%), 22,2% (9,1%-35,3%) de HIV, sem prevalência de HCV e 28,6% (16,4%-40,8%) para sífilis ativa. Na cidade de Recife, foram 350 entrevistas, com o seguinte perfil: idade média de 28,1 (27,1-29,1) anos; identidade de gênero travesti (44,9%; [37,1%-52,7%]); parda (58,6%; [51,8%-65,4%]); ensino médio (52,6%; [45,3%-60,0%]); profissional do sexo (54,3%; [49,0%-59,4%]); renda média de R$928,5 (R$421,68-R$1.435,5), sendo 1,2% (0,0%-12,2%) de prevalência de HBV, 28,5% (19,6%-37,4%) de HIV; 0,2% (0,0%-16,3%) de HCV e 30,5% (21,7%-39,4%) para sífilis ativa. Na cidade de Curitiba, foram 246 entrevistas, sendo o perfil composto por idade média de 28,8 (27,7-30,0) anos, identidade de gênero mulher trans (46,2%; [37,0%-55,3%]); branca (52,5%; [43,8%-61,2%]), ensino médio (51,1%; [42,3%-59,8%]), trabalhadora por conta própria/autônoma (35,9%; [30,2%-42,1%]), renda média de R$1.955,5 (R$1.703,5-R$2.207,6), com prevalência de 0,7% (0,0-16,1%) para HBV, de 19,7% (7,4%-31,9%) para HIV; de 1,2% (0,0%-15,6%) para HCV e 22,9% (10,9%-34,9%) para sífilis ativa. No Rio de Janeiro, foram 292 entrevistas, sendo a idade média de 29,9 (28,8-31,2) anos, identidade de gênero mulher trans (35,9%; [26,8%-45,1%]), pardas (40,7%; [31,7%-49,7%]); ensino médio (49,3%; [41,1%-57,4%]); profissional do sexo (51,5%; [45,8%-57,2%]); renda média de R$1.141,8 (R$995,8-R$1.287,8), com prevalência de 5,9% (0,0%-18,0%) para HBV, de 35,9% (26,0%-45,8%) para HIV; de 1,7% (0,0%-14,4%) para HCV e 27,5% (17,0%-38,0%) para sífilis ativa. Em Porto Alegre, foram realizadas 79 entrevistas com o seguinte perfil: idade média de 33,7 (31,3-36,2) anos, identidade de gênero mulher trans (33,8%; [16,0%-51,7%]), brancas (49,2%; [33,45-65,0%]), ensino fundamental (47,3%; [31,3%-63,2%]), trabalhadora por conta própria/autônoma (39,6%; [29,4%-50,9%]), renda média de R$1.436,4 (R$1.146,2-R$1.726,6), sendo 4,0% (0,0-26,8%) de prevalência de HBV, 65,3% (52,3%-78,3%) para HIV; 3,5% (0,0%-26,6%) para HCV e 35,3% (17,5%-53,1%) para sífilis ativa.
Conclusões: 
A grande maioria identificou-se como travesti ou mulher trans, parda, e declarou escolaridade de, no máximo, ensino médio. No geral, as taxas de infecção por HIV e sífilis foram muito altas, com alguma variação entre diferentes cidades. Não obstante, os achados são de grande preocupação, uma vez que a população de travestis e mulheres transexuais, por vezes, enfrenta preconceitos tendo a maioria dificuldade de acesso a serviços de saúde.
Palavras-Chave: 
HIV. Infecções sexualmente transmissíveis. Inquérito. Travestis. AIDS.

Aplicabilidade para o SUS

Auxiliar na formulação de ações para diagnóstico de doenças e problemas de saúde em populações de difícil acesso; Apoiar a capacitação/treinamento/qualificação de profissionais de saúde no tratamento a população trans; Subsidiar protocolos terapêuticos; Apoiar o desenvolvimento/melhorias dos procedimentos terapêuticos da população trans; Melhorar o acesso a informações de populações de difícil acesso.