Wladimir Reis
No final da década de 80, Wladimir já ouvia falar pelos noticiários de uma doença que se espalhava nos Estados Unidos, a chamada “peste gay”. Com memória irretocável, ele se lembra de que, no Brasil, ainda não se falava muito a respeito do tema. “O Ministro da Saúde enfatizou que a doença não chegaria ao Brasil, por ser tipicamente de gays norte-americanos e europeus”.
Ele trabalhava no Porto de Suape, na indústria náutica, e um de seus companheiros de trabalho era um homem que gostava de se vestir bem, cuidava da saúde, dos cabelos e da barba. Mas Wladimir percebeu que, em certo momento, o colega começou a se descuidar nesse sentido. “Perguntei se estava acontecendo alguma coisa, mas ele negou. No entanto, começou a faltar ao trabalho e sua esposa um dia me ligou dizendo que ele estava doente e que não poderia trabalhar”.
Wladmir ficou preocupado e contou o fato à proprietária da empresa, que lhe pediu que fosse com seu motorista à casa do amigo. “Era uma sexta-feira, peguei esse colega e o levei a um pneumologista, ele precisou ser carregado até o consultório no terceiro andar, o médico diagnosticou um quadro clínico de tuberculose e disse que iria interná-lo na segunda-feira em um hospital público e que ficássemos calmos, pois ele voltaria ao trabalho em uma semana”.
Nesse meio tempo, porém, o amigo acabou falecendo. Wladimir recebeu a notícia de que ele havia tido convulsões no final de semana e morreu a caminho do hospital. No enterro, os familiares jogaram cal e fecharam o caixão com pregos. “Fiquei assustado com aquilo e, quando me aproximei do caixão, pediram que eu me afastasse, pois o colega havia morrido de aids”.
Aquilo não impediu Wladimir de se despedir do amigo. “Pensei em como foi injusto ele ter dado o suor do seu trabalho para o sustento da família e ser visto dessa forma no próprio enterro”.
Na volta ao trabalho, Wladimir se deparou com uma situação ainda mais inusitada. Outros colegas de sua empresa perguntavam se podiam almoçar junto com ele, beber no mesmo copo ou mesmo trabalhar ao seu lado, e isso aconteceu também em seu círculo de amizades. “Fiquei sem entender o porquê de tudo aquilo. Então me fiz a pergunta: será que eu também estou com aids? ”.
Naquela época, Wladimir tinha 24 anos e, para tirar a limpo a história, foi a um serviço de referência no tratamento de pessoas com HIV/aids. Lá, sentiu o peso de ser uma pessoa HIV positivo. “Ao entrar na sala de espera, as pessoas estavam todas sentadas, olhando para baixo. Elas não se encaravam, por vergonha de estar naquela condição. Fiz o exame, contei a história de meu colega e, quando recebi o teste, tinha dado negativo. Mas a enfermeira me disse que, mesmo com esse resultado, ela achava que eu estava com aids e me pediu para voltar em seis meses”.
Por quatro vezes ele se dirigiu ao serviço público sem ter o resultado do teste de HIV. Passou meses atormentado, sem saber se tinha ou não HIV e, mesmo sem diagnóstico preciso, familiares e amigos começaram a desaparecer. Em sua última ida, ele fez o teste e o resultado foi positivo. Foram meses vivendo a angústia de não saber e agora a imersão na angústia ao saber do resultado.
Quando ia a encontros públicos, as pessoas o cumprimentavam com uma pergunta: “Quando você vai morrer?”
“Depois disso, busquei ajuda com uma prima minha que era psicóloga. Ela me indicou um serviço de uma universidade particular, onde me senti realmente acolhido. Fui encaminhado ao Hospital das Clínicas Federal de Pernambuco e todos os profissionais eram muito preparados. Para se ter uma ideia, a pessoa que colhia meu sangue era também um psicólogo que fazia perguntas sobre minha família e minha vida”.
Foram anos difíceis, pois Wladimir presenciou suicídios e diversas mortes, inclusive por causa do preconceito e da discriminação.
No momento em que começaram a chegar os medicamentos, as mudanças foram visíveis. “Hoje estamos na quarta geração de remédios. O Brasil consegue medicamentos de primeira e segunda linhas no serviço público de saúde para a adesão ao tratamento. Hoje eu sou indetectável. Isso é importante para mim e para todos”.